quinta-feira, 27 de março de 2014

Por que uma guitarra boa é tão cara? - Parte I

Esse post com certeza será longo. Longo mesmo. Por isso eu irei dividi-lo em partes, até cansar de criar novas partes.

Sempre que um leigo vê o preço de uma guitarra BOA se assusta e acha um absurdo pagar 4, 5, 6, 10 mil Reais em um instrumento musical. Já ouvi algumas perguntas bastante inteligentes do tipo: "isso é só pela marca, né?" ou "o que é que essa guitarra tem, cordas de ouro?".

A pergunta pro si só mostra a falta de conhecimento da pessoa, que não sabe que corda é um material de consumo e não agrega em nada ao valor do instrumento ;)

Outra situação que muito ocorre é: uma pessoa compra um instrumento iludida por um vendedor mau caráter ou por um anúncio que viu numa revista e dizia: essa é a melhor guitarra, ou, melhor custo benefício. Whatever.

Vamos ao ponto: por que a guitarra BOA é CARA? Vamos explicar falando de guitarras vagabundas.

Uma boa guitarra é feita de madeira de verdade


Aí você vem e me pergunta: lá vem esse cara falar de madeira novamente... É! Venho! E falo mesmo!

Na imagem abaixo o que você vê é uma guitarra de uma marca popular, importada da China, chamada Shelter que em alguns fóruns você vê os fedelhos dizendo algo como: "um primo de um amigo meu tem uma e não perde nada para nenhuma Gibson":


A guitarra vagabunda é feita de MDF, compensado, MDP, aglomerado, e em melhores casos de madeiras baratas e ruins. No caso da guitarra acima, a dita cuja é (era, não tem conserto) de MDF.

Como pode ser visto na foto, o material do qual a guitarra é feito parece até um papelão. Fora algumas partes às quais os fabricantes ainda não inventaram uma alternativa para fugir da madeira, gambiarrar a guitarra e vender barato, todo o resto da guitarra é feito de MDF.

Infelizmente, hoje, madeira é coisa rara de se encontrar no mercado. Assim como móveis populares são feitos em MDF, as guitarras também são. E assim como móveis de MDF duram pouco, as guitarras também.

O MDF é um material que é considerado mole. É um pó de restos de madeira que é prensado misturado a um tipo de cola, e se transforma em um bloco útil para alguma coisa. Pode ser bom para fazer um tampo de mesa de centro, ou um criado mudo, mas não é bom para guitarra em nenhuma hipótese, e vamos enumerar alguns dos motivos (caso tenha mais motivos, coloque no comentário que eu vou colocar aqui e dar o crédito de quem colaborou) :
  1. MDF não é ressonante - por ser mole o MDF tende a não vibrar junto com as cordas, e por ser flexível (não é flexível em termos humanos, mas em termos de física), o som MORRE. Por isso, não importa qual é a captação, ou as ferragens, o som vai ser ruim.
  2. Não tem sustain - pelos mesmos motivos do item 1 a guitarra não vai ter sustain. Sustain e ressonância são basicamente a mesma coisa, mas são percebidos por nossos ouvidos de modos distintos. Pode notar que uma guitarra muito ressonante tem muito sustain, e vice e versa.
  3. Não segura a afinação e sofre MUITO com variações de temperatura - Pelos motivos dos itens 1 e 2 a guitarra não segura a afinação. Para se ter uma idéia, um jogo de cordas 0.10 gera uma tensão de aproximadamente 46 kgf (quilograma-força) no braço da guitarra. Não é preciso explicar muito para entender que um material que mais parece um papelão não tem cacife para aguentar o regaço.
  4. Dura pouco - Sim, isso conta. Mesmo que você pense "é só para eu aprender, depois eu pego uma melhor", isso conta. Ninguém quer pagar caro por um produto descartável. Existem guitarras vagabundas que estão durando, mas na maioria dos casos a parada acaba em 5 anos, nó máximo. Não que vá quebrar, como a da foto, mas o braço ferra, para de aguentar a tensão das cordas, daí fica impossível de se afinar, ou coisas do gênero.
Aí você me pergunta: "Então se eu quiser uma guitarra de madeira, tenho que pagar uma fortuna?"

Eu te respondo: NÃO. Você não vai ter a melhor madeira, ou nem terá a madeira utilizada da melhor maneira (falarei disso depois), mas você terá um instrumento de madeira. Existem marcas que fazem guitarras com ótimo custo-benefício. Guitarras com acabamento honesto, madeiras de verdade, e que para um guitarrista médio, o cara que não está afim de pagar caro por um instrumento, mas quer fazer um som com os amigos de vez em quando. Vou listar algumas dessas marcas abaixo:
  • Cort - de longe é uma das marcas com melhor custo-benefício do mercado. Possui guitarras muito legais como a M600;
  • Epiphone - As semi-acústicas são em geral boas guitarras. As Les Paul Standard para cima são legais também, bem como as Wilshire, Firebird e outras, mas cuidado, algumas linhas como a Les Paul Jr. são bem vagabundas;
  • Squier - Fabrica modelos de Strato e Tele de linhas como a Standard, que são bem honestas, mas cuidado algumas linhas mais baratas são bem vagabundas;
  • Condor - faz guitarras bastante honestas. Tem uma Telecaster da Condor que é um showzinho, e custa pouco mais de R$1000,00;
  • Ibanez - muitas guitarras de entrada da Ibanez são interessantes, como as GIO;
  • Washburn - também faz guitarras de entrada muito legais, com bom custo-benefício;
Mais um detalhe faz diferença no caso da madeira: a quantidade de peças de madeira utilizadas. Em tese, se um corpo é feito com uma única peça de uma determinada madeira, este será melhor que um corpo feito com duas peças da mesma madeira, mas se você quer um corpo de uma única peça, esteja disposto a pagar uma fortuna por isso. É raríssimo conseguir uma boa peça de madeira com tamanho suficiente para fazer um corpo de guitarra.

Em alguns casos específicos os fabricantes utilizam peças de dois ou mais tipos de madeira distintos para conseguir melhorias no timbre, ou apenas para dar um efeito visual bacana. A Gibson Les Paul é um instrumento que geralmente é construído com um corpo de duas peças de mogno e tampo em duas peças de maple. Além do maple ter um visual muito bonito, a "mistura" serve para equilibrar as caracteríscas sonoras do mogno.



Acima uma Gibson Les Paul Standard Premium Quilt 2014 e uma Gibson Les Paul Standard 2014 ostentando seus tampos de maple figurado (figurado por que a madeira tem esse desenho bonito pakacete que é até um tanto 3D). Alguns fabricantes utilizam apenas uma fina camada de maple para obter o mesmo efeito visual, ou pintam a madeira para dar um efeito figurado. Nesse caso o maple não é suficiente para alterar o timbre do instrumento. É bom ter cuidado ao adquirir guitarras baratas, pois o fabricante pode utilizar esse tipo de artimanha para esconder uma madeira ruim.

Uma boa guitarra é bem construída


Nada adianta ter um material FODA se o cara que vai construir o instrumento não sabe como fazê-lo. É como comida. Você dá os mesmos ingredientes para um cozinheiro foda e para mim. Aí você pede para que preparemos um prato. O cozinheiro foda vai fazer uma comida foda. Eu farei uma gororoba intragável.

Um amigo meu costuma dizer que determinadas guitarras são feitas no facão.

Lembra-se das Jennifer? Então, as Jennifer eram feitas com madeiras Brasileiras pesadas que em tese são ótimas, porém eram construídas na base do facão, sem nenhuma técnica adequada, sem nenhum cuidado com a qualidade do instrumento.

São os detalhes que fazem total diferença na construção, como a forma que é realizado o corte da madeira. Um braço, por exemplo, precisa que a madeira seja cortada paralela aos veios, pois isso é o que dará a firmeza para o braço aguentar a tensão. O encaixe entre o braço e o corpo precisam de ser cortados e polidos em um tamanho preciso para que não haja nenhuma folga na junção das partes, garantindo o sustain e ressonância. Isso serve também para outras peças encaixadas como pontes, cordais, tarraxas, entre outras, pois um corte folgado pode ser o que separa um instrumento perfeito de uma porcaria SEM CONSERTO. Isso, sem conserto. Fez um furo maior na madeira no local onde entrará a tarraxa? Não tem solução. Qualquer solução seria porca, ruim, e inadequada. É para jogar o braço fora e fazer outro do zero. Fudeu!

Por isso, as guitarras mais caras passam por um controle de qualidade extremamente rígido. Os luthiers não são apenas mais experientes e os equipamentos mais modernos, mas há um controle de qualidade muito grande em cima desses instrumentos. Quanto mais caro se paga pelo instrumento, mais manual é o processo de confecção, melhores são os materiais, e também os luthiers que o contruíram, e essa última parte é bem simples de entender: o luthier mais experiente e mais talentoso ganha mais que o luthier menos experiente, logo, esse valor é repassado para o valor do instrumento.


Na foto acima, uma Fender Select Stratocaster Exotic Maple Quilt. Bonita né? Aí você me diz uma do tipo: "é, mas por que custar U$3000,00?".

Vamos olhar mais de perto?


Observem o detalhe da forma como a escala é colocada no braço. Sugiro que abram a imagem em outra janela para verem um pouco melhor.

É a perfeição! O que falar de um instrumento como esse? É uma verdadeira obra de arte, que não se alcança sem muitos anos de prática, conhecimento da construção de instrumentos. Nem de longe.

Vejam abaixo os detalhes de outra Fender Select.


Bonita né?

E isso?


E agora isso?


É um nível tão extremo de cuidado, esmero, perfeccionismo, que o fabricante se orgulha de ter feito uma verdadeira obra de arte. O fabricante CRAVA seu próprio nome no instrumento e dá a ele uma medalha dizendo: fui eu que fiz, e é especial, é foda, é perfeito!

É isso. No próximo post vamos falar um pouco mais sobre os detalhes de um instrumento que fazem toda a diferença não só no visual do instrumento, mas no que é mais importante: o que você está ouvindo!

Abraços!

3 comentários:

  1. Amo música há longo tempo, décadas, não sou tão jovem, mas uma coisa eu não entendo. Vou tentar resumir ao máximo, para não ficar chato. Até a década de 1990, instrumentos bons custavam US$ 1.000,00 (Mil Dólares), isso uma Fender, uma Gibson, um Rickenbacker. Hoje, esse valor equivaleria a no máximo R$ 5.000,00 (Cinco Mil Reais), mas diversos desses instrumentos custam US$ 3.000,00; 4.000,00, o que acho um exagero. Sonho em ter um instrumento bom desse há longo tempo. Tenho uma guitarra nacional, uma Golden modelo Strato, safra 1993, consideradas razoáveis. Sei que não é nenhuma maravilha. Só me explique porque mesmo com o dólar por vezes não subindo tanto, o custo foi aumentando exageradamente. Desculpe pela ignorância, li a matéria acima inteira, mas não me conformo que em décadas, o custo aumente ao invés de diminuir. Se quiser mandar esclarecimentos em particular, para meu email garcia.morrone@terra.com.br, agradeço muitíssimo. Abraço.

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  2. 1k dolares 30 anos atrás né. Isso se chama inflação.

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  3. Não, mn. É inteligível pagar 10 pau numa guitarra relíquia, mas não numa 0km.
    Semana passada ainda pesquisando eu decidi que estava na hora de uma guitarra nova, apaixonei na Les Paul Gótica da Epiphone, mas o preço? 4 mil reais, e isso não é "por controle de qualidade". Conversando com um amigo Luthier, se eu importasse todos os componentes separados e pagasse para ele montar tudo, tudo mesmo, eu gastaria pouco mais da metade. Considerando ainda que eu não estaria produzindo em grande quantidade o preço deveria ser ainda menor.
    Mas... Por curiosidade entrei no site da Epiphone para pesquisar a guitarra comprando diretamente do fabricante e me deparei com o preço de incríveis 550 dinheiros americanos. Não é a marca que ganha, é o mercado.

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